A essência das posturas e do movimento na prática do Tai Chi

As formas existem em todas as artes marciais orientais e nelas encontramos os movimentos e as posturas corporais característicos da arte em questão. As posturas podem ser concebidas como locais num mapa pelos quais passamos, e os movimentos podem ser imaginados como os caminhos que ligam essas posturas. Assim, a forma é um tipo de mapa em movimento.

A essência das posturas do corpo

A raiz está no pé, o ataque é da perna, a direcção é da cintura e a figura está nos dedos das mãos.

“Como qualquer outro assunto que é muito especializado, o Tai Chi desenvolve em muitos dos seus praticantes uma atenção rigorosa aos pormenores. Para alguém que está de fora, a posição exacta do pé ou da mão, talvez pareça trivial. Para alguém que está bastante envolvido com a arte, uma ligeira alteração do peso ou do acto de virar o pé dez graus, faz muita diferença: um praticante consciente percebe essas pequenas mudanças como uma sensação física real. Esses pormenores, portanto, desempenham um papel importante na realização regular das formas (…)”

Paul Crompton, The Elements of Tai Chi, 1990

1. Cabeça

A sua posição é rigorosa: o praticante deve treinar a cabeça, evitando que os músculos do pescoço fiquem tensos. A cabeça não deve inclinar-se para os lados, nem oscilar. Muda-se a direcção da cabeça conforme a direcção do corpo, movimento que deve ser acompanhado pelo olhar. Pode direccioná-lo para a mão que se encontra numa posição superior, ou através desta, para o vazio, mantendo sempre a cabeça direita. Não olhe para o chão porque isso implicaria entortar o pescoço e fazer erguer os ombros. A face deve estar descontraída, o queixo para dentro e a boca fechada. A ponta da língua deve encostar, descontraidamente, o palato.

 2. Tronco

Ao treinar Tai Chi deve manter o tronco direito e cómodo, sem curvar-se para a frente ou para trás, nem inclinar‑se à esquerda ou à direita, o que poderia deixar as costelas e os músculos do ventre tensos.

 A. Peito e costas: “Afundar o peito e endireitar as costas” significa que não se deve encolher nem erguer demasiado o peito. À medida que os movimentos dos braços são efectuados, os músculos das costas estendem-se; nessa altura, os músculos do peito relaxam-se, o que permite submergir a respiração para o abdómen, tornando-a solta e livre. A coluna deve estar direita deixando a cabeça, o tronco e os quatro membros actuar livremente. Aja como se a sua coluna vertebral fosse um fio com contas.

B. Cintura: Tem um papel muito importante na manutenção das posturas correctas já que funciona como o eixo do nosso corpo, durante todas as posturas e movimentos. Conscientemente, pode baixar a cintura e afundar a energia. Não deve endireitar com força para a frente nem a cintura nem o ventre, porque isso prejudicaria a postura do corpo. Relaxar a cintura ajuda as pernas, tornando-as mais firmes, permitindo a execução dos movimentos levemente e com perfeição. Em coordenação com o relaxamento da cintura, endireite a coluna conforme a sua posição fisiológica normal. Manter o equilíbrio através do relaxamento da cintura garante movimentos leves, ágeis e estáveis.

C. Nádegas: Para manter a boa forma corporal, é preciso evitar a todo o custo levantar as nádegas. Basta deixá-las estar como estão naturalmente, sem as mover para os lados. Ao relaxar a cintura e erguer as costas, encolha ligeiramente os músculos das nádegas a fim de manter o tronco direito.

 3. Pernas

Durante todo o exercício, os movimentos de avançar, retirar e enviar a força, bem como a manutenção do equilíbrio do corpo, dependem sobretudo das pernas. Deve prestar atenção à posição na qual pousa os pés e também à posição das pernas quando altera o centro de gravidade do corpo. De facto, a postura das pernas tem uma função muito importante na imagem do corpo inteiro e na transformação dos movimentos, sendo preciso treinar os vários passos.

Para treinar as pernas, comece por relaxar a cintura, a anca e os joelhos. Assim, ao avançar e retirar, os pés podem levantar e pousar levemente. Ao avançar, pouse em primeiro lugar o calcanhar, podendo depois pisar firmemente o chão e deslocar o peso do corpo para essa perna. Quando dominar a transformação do avançar e do retirar, as suas pernas podem começar a aliviar-se alternadamente do peso do corpo, diminuindo então a tensão e o cansaço dos músculos.

Tenha em atenção que os joelhos são uma articulação particularmente importante, a qual deve cuidar sempre. Quando dobrar as pernas, mantenha o joelho em cima do tornozelo, não devendo aquele ultrapassar o meio do pé (excepto nas posições baixas).

 4. Braços e Mãos

“Afrouxar os ombros e pendurar os cotovelos” é uma expressão técnica do Tai Chi que salienta a relação coerente entre estas articulações. “Afrouxar os ombros” significa mantê-los relaxados e afundados; se os subir, a energia vai subir com eles, e todo o corpo vai ficar sem força. “Pendurar os cotovelos” significa mantê-los para baixo, de forma a não obrigar os ombros a subir; os cotovelos encontram-se geralmente mais abaixo do que o pulso.

As posições das mãos e dos ombros são geralmente feitas ao mesmo tempo. Quando recolher a palma da mão, dobre ligeiramente o pulso; para abrir a mão, levante-a e mantenha os dedos direitos, mas ligeiramente curvados; ao cerrar o punho, evite fazer muita força. Caso empurre demasiado a mão, o braço ficará esticado, numa posição incorrecta; por outro lado, se afrouxar muito os ombros, e não estender a mão para a frente, o braço ficará dobrado, sem força. Por isso, tente manter o braço com um certo nível de curvatura, alongado mas não esticado. Ao empurrar e recolher as mãos, nunca se perde a força de repente.

A essência dos movimentos

Andar como um gato e actuar como se esticasse fios…

Ao fazer uma forma de Tai Chi, desde a abertura até ao final, é fundamental que a mente conduza os movimentos durante todo o processo, ou seja, é primordial que haja uma grande concentração. Por outro lado, devemos treinar a leveza e continuidade dos movimentos, o relaxamento não abandonado e a agilidade natural. Devem respeitar-se os seguintes princípios:

1. Tranquilidade

No início, acalme o seu espírito para começar os movimentos sem pensar noutros assuntos. Verifique sempre se a posição da cabeça está correcta (direita), se os braços e o corpo estão relaxados, e se a respiração é regular e natural. Estes são os preparativos básicos para começar o treino. A tranquilidade é essencial durante todo o tempo, tanto nos movimentos simples como nos complicados, nas posições elevadas e nas baixas. A total dedicação da atenção garante que se evitem perturbações nos braços e nos pés, no ritmo e na ordem dos movimentos. O principiante costuma distrair-se ao olhar à sua volta e pensar em coisas que nada têm a ver com o exercício. Através dos treinos deve tentar conhecer, perceber e harmonizar a mente, os movimentos e as posições corporais.

2. Relaxamento

O relaxamento dos músculos e das articulações durante todo o exercício, mesmo estando de pé, é muito importante. Isto não significa preguiça ou distração. Deve usar a mente para controlar os movimentos e não a força bruta ou endurecida. Tente levar o corpo a usar uma força regular de maneira a sustentar movimentos correctos e estáveis. Quando fizer força com alguma parte do corpo, relaxe os músculos das outras partes. O principiante controla mal os limites da força que deve exercer: basta evitar ficar tenso e tentar relaxar-se. Daqui, passe gradualmente para o concentrar de forças sucessiva e integralmente.

3. Sucessão e Coordenação

Pela teoria, o principiante compreende que a cintura é o eixo de todos os movimentos: o tronco dirige os quatro membros ao actuar. Na prática, torna-se no entanto difícil coordenar bem a mente e o corpo, pelo que não é fácil encontrar esta harmonia. Pode treinar os movimentos singulares (por exemplo, os “passos em arco”), a fim de fortalecer a sustentação das pernas e dominar a essência dos passos. Daí comece a praticar a sucessão de movimentos, juntando os movimentos dos braços e mãos, até conseguir regular todas as posturas.

4. Distinção entre Falso (vazio) e Verdadeiro (cheio) – o equilíbrio duradouro

Esta distinção é fundamental para a prática do Tai Chi: se o peso do corpo está na perna direita, dizemos que esta está “cheia” e a perna esquerda “vazia”, e vice-versa. Quando conseguimos separar o cheio do vazio, e fazer a transição de um para o outro sem sobressaltos, giramos o corpo levemente sem usar a força e os movimentos tornam-se suaves e contínuos (por exemplo, quando passamos o peso do corpo gradualmente de uma para a outra perna). Se não conseguirmos efectuar esta distinção, o passo é pesado e vagaroso, e a posição não é firme, não fornecendo equilíbrio e impedindo a continuidade do movimento.

5. Continuidade e Circularidade

O Tai Chi é uma prática completa, é “um movimento acompanhado pelo corpo todo”. Ao treinar uma forma, e depois de dominar todas as posições e a sequência entre elas, pode tentar concentrar-se na continuidade do movimento: desde o início até ao fim da forma, tente nunca parar, não se fixando em nenhuma postura, mas sem prejudicar a sua execução correcta. O que tende muitas vezes a acontecer é que o ritmo de execução aumenta. O equilíbrio entre o ritmo dos movimentos e a continuidade dos mesmos é alcançado pela prática.

6. Respiração fácil e natural

Ao treinar Tai Chi, deve evitar as respirações curtas e tentar respirar novamente pelo abdómen, como quando era criança. É evidente que ao mover-se o nosso corpo necessita de mais oxigénio, mas basta respirar um pouco mais fundo para introduzir o ar suplementar que precisa. Isto não afecta muito a respiração normal e com muita prática todos conseguem superar a contradição entre o exercício e a respiração. Coordenam-se os dois segundo o ritmo e o alcance dos próprios movimentos. Mas não force a respiração ao tentar coordená-la com os movimentos: o seu corpo descobrirá como fazê-lo.

7. Coordenar o inferior e o superior, para a total integração

A prática de Tai Chi obriga a que desçamos o centro de gravidade do peito para o tan-tien (uma zona três dedos abaixo do umbigo) e que as pernas sustentem todo o peso do corpo, enquanto o tronco se relaxa o mais possível. São assim necessárias pernas fortes e uma coluna direita. Só após perceber esta separação do inferior e superior, é que podemos emitir a força através das pernas e controlá-la através da cintura, encontrando a real integração de todo o corpo. Os pés, as pernas e a cintura formam um todo, em harmonia com o movimento dos braços e das mãos.

Os princípios acima descritos não são independentes uns dos outros, mas coerentes: enquanto não houver tranquilidade, não há concentração da mente, portanto os movimentos não podem ser coordenados pela mente; alcançar a sucessão e a harmonia fica assim impossibilitado. Se não dominar o falso e verdadeiro, não haverá equilíbrio, ficando a parte de cima do corpo demasiado tensa, e portanto, não se respirará bem.

versão pdf 

13 respostas a A essência das posturas e do movimento na prática do Tai Chi

  1. josefina lourenco diz:

    Gostei de ler parabens .

  2. Obrigada Josefina. Esperamos que possa trazer alguma inspiração… Um abraço.

  3. Paulo Sérgio diz:

    Reafirmo o comentário da Josefina, os vossos temas são simples e vão ao cerne da prática correcta do Tai Chi. Para quando um seminário destes, o de Tomar, em Lisboa?

  4. Obrigada pelo seu comentário, Paulo. Em Lisboa pode encontrar-nos com facilidade nos Jardins da Gulbenkian e aprender diretamente com o Mestre Xuan Wu numa base mais regular. Sábado é sempre um bom dia para aparecer. Para além de poder experimentar o sistema de Chi Kung do Mestre, ficamos geralmente até mais tarde e podemos conversar com mais calma sobre esta sua ideia. Não quer aparecer um destes dias? 🙂 Se não chover, estamos junto à entrada da biblioteca (pela entrada da R. Marquês de Sá da Bandeira encontra-nos logo); se chover, estamos no anfiteatro ao ar livre.

  5. Josefina Vagos Lourenço diz:

    Apesar de seguir outra escola de Tai Chi e Chi Kung há Já alguns anos,é sempre bom aprender com outros Mestres, por isso estou sempre aberta a ler artigos interessantes sobre estas práticas. Mais uma vez obrigada.
    Josefina Lourenço

  6. Obrigada nós, pelo seu comentário, Josefina! Um abraço e boas práticas.

  7. Carlos Roberto diz:

    Boas explicações! Vou tentar aplicar na minha prática.

  8. DE FACTO COMO TUDO NA VIDA, SÓ COM AMOR À ARTE É POSSÍVEL AVANÇAR.
    ÂNIMO PARA TODOS

  9. Rui Oliveira diz:

    71 anos é idade para começar?

  10. 71 anos é uma excelente idade para começar! Até breve.

  11. Ja pratico o Tai Chi faz algum tempo, gosto imenso, mas tenho dificuldade no movimento das pernas devido a um problema no joelho direito, este artigo veio dar uma ajuda bastante grande, vou tentar por em pratica as sugestoes, obrigado pelo artigo. .//.

  12. Ricardo Mourato diz:

    Eu comecei com 59! A minha decisão não teve a ver com a idade mas sim com uma nova atitude em relação à vida!

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s